quarta-feira, 31 de março de 2010

DO PRAZER DE BRINCAR AO PRAZER DE APRENDER


TRANSCRIÇÃO DA CONFERÊNCIA DE BERNARD AUCOUTURIER (ESCOLA FRANCESA DE PSICOMOTRICIDADE), REALIZADA NA I JORNADA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE NO ESTADO DE SÃO PAULO, EM 22 DE OUTUBRO DE 2005, NA UNIFMU.
De O a 3 anos de idade a criança brinca buscando o prazer de construir e desconstruir. Esta vontade de agir não pode ser considerada, neste momento, como um reflexo de agressividade porque esta forma de brincar transita em uma dimensão inconsciente.
A criança demonstra neste
período o prazer de ficar em pé. rolar, balançar e cair. Trata-se de uma percepção rítmica ligada à construção e desconstrução que é anterior à percepção espacial. Nesta fase também apresenta o prazer de ser envolvida ao brincar no meio de tecidos: encaixar-se, esconder e ser descoberta, perseguida sem ser pega. Poderá também demonstrar interesse ao identificar-se com agressores que causam medo. Demonstra prazer em reunir e separar, entrar e sair e encher e esvaziar.
Estas brincadeiras
de O a 3 anos descritas acima defino como BRINCADEIRAS DE REASSEGURAMENTO PROFUNDO que podem perdurar até um pouco mais de 3 anos. Porque fazem referência aos primeiros contatos humanos que põem em evidência a relação da criança com seus pais.
A partir dos 3 anos inicia-se a fase de identificação nas formas do brincar que identifico como JOGO DE REASSEGURAMENTO SUPERFICIAL a criança começa então a disc
riminar o masculino do feminino e criar personagens onipotentes que transitam em uma dimensão ilusória para desenvolver a ação em um universo ainda incompreensível. Neste momento a criança vivência na interação com o outro a ação e a ilusão do ser, dando aos poucos a forma de si própria como sujeito.
Através do processo de identificação e da interação com o outro a criança aprende a realizar um distanciamento emocional ao expressar conteúdos psicológicos por meio de objetos, percurso este. importante a ser vivenciado pela criança que através de personagens pode expressar seus medos e angústias proporcionando com esta experiência um conforto emocional.
- O que é Reasseguramento?
Reasseguramento é o resultado de uma dinâmica de prazer que permite à criança atenuar suas angústias interiores como: o medo de ser destruída (sentimento que é presente desde os primeiros meses de vida), o medo de ser agredida, de ser abandonada e de ser castrada.
A dimensão simbólica da criança começa a ser desenvolvida desde os primeiros momentos da vida da criança. O bebê procura os braços da mãe e se assegura no abraço. A partir do momento que a mãe oferece um paninho ou um objeto a criança transfere na interação com este objeto a sensação de prazer do carinho da mãe vivenciado anteriormente. Desta forma, aprende a buscar forma de prazer simbolicamente.
Os distúrbios no desenvolvimento da aprendizagem estão intimamente ligados a falta de asseguramento. A angústia surge quando a criança não é protegida das agressões interiores e exteriores. A angústia das crianças que não tiveram a oportunidade de asseguramento é real traduzida, muitas vezes, por meio de dores corporais que podem limitar a construção psíquica da criança.
A construção psíquica da criança se realiza por meio da fantasmática.
O Jogo de Reasseguramento Superficial sucede o jogo de Reasseguramento Profundo. Se a criança não vivência de forma substancial a primeira fase não poderá realizar a segunda. O brincar desenvolve o interesse da busca de fontes de prazer e promove a descentração tônico-emocional. Se a criança vive a brincadeira, participa das iniciativas das outras crianças, compartilhando com elas as emoções, o peso das angústias e o peso da afetividade. Esta interação favorece a atenção no outro e propicia, paulatinamente, uma descentralização em si própria. A criança ao se identificar com o outro coloca-se no lugar dele abstraindo-se de si própria. Este distanciamento de si como o centro de atenção é que permite o olhar da criança sobre si mesma.
O brincar permite o diálogo verbal e não verbal do corpo e da psique. Através do brincar a criança vive e deixa emergir uma dimensão inconsciente por meio da liberação dos afetos. Brincando ela dá forma ao afeto recebido dos pais e cria o seu próprio afeto, por meio de representações inconscientes. (Afeto = conteúdos emocionais recebidos e registrados na memória inconsciente e consciente).
Através do corpo em movimento, a criança expressa sua dimensão inconsciente. A motricidade é o meio entre o continente da inconsciência e a percepção do agora (consciência).
O corpo é o primeiro objeto transicional pelo fato de permitir à criança colocar em evidência o prazer que foi vivido com o outro no passado. Através do corpo ela interpreta e analisa estes conteúdos inconscientes que definimos como "fantasmática".
O brincar promove a comunicação, a verbalização, a criação e o desenvolvimento da função simbólica: a capacidade de representar formas conscientes (casa,objetos e situações) e a capacidade de expressão da fantasmática. A representação simbólica é vivenciada de forma verbal e não verbal, através de associações com as experiências vividas. Ex: Um menino e uma almofada. A almofada representa o carro e ele o motorista e a ação total a identificação do pai dirigindo o automóvel. Com a boca ele produz o barulho do motor e o seu corpo se ativa psicomotoramente.
No prazer do brincar existe sempre a presença do outro de forma simbólica. Esta é a síntese do reasseguramento.
A representação do brincar evolue com o desenvolvimento da psique. Com 3 e 4 anos diante de uma brincadeira de lobo a criança entra no jogo e é tomada pela sua fantasmática de a feto e angústia. Com 5 e 6 anos na brincadeira de lobo ela responde à brincadeira com um certo distanciamento. Com 7 anos ela diz: - Hoje vamos brincar de lobo e acaba não brincando porque o simples fato de evocar é suficiente para o reasseguramento. Ela age com o lobo de forma mental. Portanto no brincar há uma evolução da representação por meio do corpo para a representação mental.
Este é o paradigma que une e desenvolve o prazer do brincar para o prazer da aprendizagem. A aprendizagem é um prolongamento de uma dinâmica de prazer que vai do corpo ao pensamento. O prazer da aprendizagem ocorre no nível inconsciente e consciente.
O prazer de aprender começa bem cedo quando a criança com quase um ano começa a se apoiar para buscar ficar em pé sozinha, sem a ajuda dos pais ou qualquer adulto do seu lado. Realizando tentativas e caindo, ela estará aproveitando a aprendizagem postural e as compensações. Buscando posições de segurança e equilíbrio, ela vai tomando consciência do desencadeamento postural. A repetição na aprendizagem é fundamental porque através de uma dinâmica de prazer a criança vai aos poucos, memorizar o movimento e as posturas, o que vai permitir ela se apoiar nos pés e conseguir a tensão tônica suficiente para dizer: - Eu consigo; eu existo.
A condição da aprendizagem motora está intimamente ligada à possibilidade da ação e ao prazer da conquista dela. Se os pais não dão essa liberdade necessária à experimentação, a criança poderá, mais tarde, apresentar limitações psicomotoras intransponíveis pelo fato de ter sido impossibilitada de vivenciar o desequilíbrio, cair e aprender como buscar soluções para este desequilíbrio.
As crianças, por perseverança inata vão adquirindo confiança por meio das tentativas: porque é pela ação que a criança aprende o prazer de existir e adquirir confiança em si mesma.
Assim como a criança encontra a segurança afetiva através do brincar, ela vai conquistando, aos poucos, o mundo em função da sua ação. Para descobrir o que está no alto. ela vai estender o próprio corpo para alcançar o que quer. Através da sensação do corpo na exploração do espaço e na descoberta da massa dos objetos é que ela vai ativar sua habilidade tônica para pegar o que é pesado e o que é leve. Conquistando a habilidade tônica, ela aprende a tocar, acariciar, transpondo-se, inconscientemente, da forma como foi tocada e acariciada.
A mão é um prolongamento da boca como se a criança que agride com as mãos agrediu o peito da mãe. Neste sentido, a disgrafia tem ligação com a dificuldade da linguagem. A mão é a inteligência inconsciente das primeiras vivências da criança.

CONCLUSÃO:
A aprendizagem está ligada a descentração tônico-emocional conquistada nos jogos de reasseguramento superficial que dependem da vivência dos jogos de reasseguramento profundo ligadas à expressão e vivência do corpo psicomotor.
Ao brincar com os outros, a criança percebe o mundo exterior dos indivíduos que proporciona à ela parâmetros emocionais e fantasmáticos.
Aos 6 anos a criança normal deve perceber o mundo exterior descentrando-se tônico-emocionalmente ao brincar. Quando isto não ocorre elas deixam de perceber os seus afetos e permanecem projetando sua visão interna do mundo, fortemente ligada às emoções ao analisar o mundo real. No contexto piagetiano. não conseguem ultrapassar do estágio pré-operatório para o pensamento operatório formal.
A prática psicomotora tem como objetivo auxiliar o processo de descentração tônica do ambiente egocêntrico próprio das crianças de 4 e 5 anos de idade.
Na prática terapêutica psicomotora a criança é convidada a passar diferentes níveis simbólicos através do movimento, grafismo e atividades plásticas de construção e verbalização.Através destas experiências a criança toma consciência da sua produção como corpo e percurso de linguagem promovendo a descentração tônica.
Através da prática psicomotora promove-se a linguagem espontânea da criança, capaz de colocar palavras sobre emoções vividas. Por meio da linguagem e do exercício da mesma promove-se a maturação do conhecimento. Ex: se a criança salta 50 vezes sobre um tapete vermelho e não se coloca emocionalmente por meio da verbalização a criança não pode ter acesso à linguagem e conseqüentemente não pode ter acesso à simbologia e á cognição. Há uma coerência entre o corpo e a cognição assim como há uma coerência entre da maturação psicológica com a via motora compreendida na expressão psicomotora de conteúdos inconscientes e conscientes.
A terapêutica psicomotora visa promover o contato da criança com seus próprios afetos através da expressão, ativando conteúdos fantasmáticos na dinâmica da experimentação da ação necessária para a aprendizagem da representação simbólica e da criação da imagem mental dos objetos. A prática busca favorecer a passagem da criança para o nível operatório formal, no desenvolvimento do pensamento abstrato momento este onde a criança obtém a base cognitiva necessária para o processo de alfabetização e introdução no ensino regular.

Maria Carolina Sá Moreira Oliveira
Participante da I Jornada
Arte Educadora/Especialista em Reabilitação
Pós graduanda em Psicomotricidade


Veja mais em: Sociedade Brasileira de Psicomotricidade
(Todos os direitos reservados SBP - Colégio Nacional)

Um comentário:

  1. Muito interessante esta matéria me ajudou bastante em relação ao meu trabalho de conclusão de curdo.

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